Olhando nossas fotos do passado,
repassando nossas memórias, sempre encontraremos saudosas lembranças dos tempos
idos.
Em meio a tantos sorrisos da
meninada, nossas águas são o realce de pura alegria. Felizes em seus banhos,
dando imensas braçadas nas águas puras do rio, lá estão eles e seus amigos. A seguir, os pais se reúnem na pescaria, a
mulherada, aproveita e lava roupa com fartura, estendem para quarar e secar.
Quanta diversificação para o nosso rio; alegria, diversão, alimento, utilidade,
em resumo: vida... Tudo poderia ser intitulado: "Um dia e o Rio". Era
assim, a história de vida de muitos dos nossos homens de hoje; crianças daquele
tempo. São recordações gravadas no mais profundo da alma. Assim canta Paulinho da viola: " Foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar". Os casos do Rio Todos os Santos, ficaram nas histórias, repassadas boca
a boca.
Ouvi de um amigo, o episódio
acontecido na casa de seu bisavô, que residia numa zona rural, bem perto da
cidade de Teófilo Otoni. Impossibilitada de comparecer ao trabalho, sua
faxineira pediu a uma parenta para substitui-la. O fazendeiro recebeu-a,
orientou-a rapidamente e se retirou. Ao retornar depois de algum tempo,
encontrou o café na mesa, perguntou então se ela encontrara todos os
utensílios, ela respondeu: demorei apenas para encontrar o poço. Cismado, o
fazendeiro pede pra ela lhe mostrar o poço por ela encontrado. Ela segue para o
banheiro e lhe aponta o vaso sanitário.
Só então ele entende, que ainda não
fazia parte da vida de todos, as torneiras, os banheiros e demais avanços. As pessoas consideravam o rio como referência, e tinham seus poços nos quintais. Tudo
veio a seu tempo, e os casos ficaram na história.
O nosso Rio Todos os Santos,
atravessa a cidade de Teófilo Otoni, e é o principal manancial de nossa
cidade, no sentido de abastecimento. Certamente com este pensamento visionário,
seu nome foi dado por Teófilo Benedito Ottoni, que e ao desbravar as florestas
existentes, deparou-se com a nascente de nosso tão importante rio, e deu-lhe o
nome Todos os Santos, no dia primeiro de novembro.
São 70 km desde sua nascente, até sua
foz no Rio Mucuri. Pesquisando sobre a palavra Mucuri, que tanto tem a ver com a nossa
região; descobri que se trata, originalmente, de um fruto, mas por estar à
beira de um Rio, que recebe as águas de todos os Santos, teve a primazia de ter
seu nome dado ao rio, e o rio abraçou o fruto, porque o rio é muito mais forte.
Todo rio já nasce com uma direção, e este nome que tanto revela, já nasce verbo, um verbo com
direção certa: o Mar. Seja em que lugar ele estiver, o nosso Rio Mucuri não é
diferente, ou melhor, é diferente, é um rio misterioso, cheio de história, que
banha Minas, Bahia e o Espírito Santo. Foi uma importante rota de comunicação
de Minas Gerais, que sabemos não teve, certamente por divinas razões, o
privilégio de ser banhado pelo mar. Mas talvez seja por isso, o Rio Mucuri rico
e diverso em peixes e plantas, nativas na mata Atlântica. Quantas vezes, me vi
admirando aquele rio que parece calmo, que tem suas águas desviadas, pelas
rochas que incrustam seu leito e seu próprio caminho. Pode ser que
isso tenha motivado Caetano Veloso, observador como é, já em seu primeiro
disco, em 1967, quando gravou, “ Onde eu nasci passa um Rio”. Logo ele,
que nasceu na Bahia, estado banhado por um frondoso mar; “Onde eu nasci passa
um rio, que passa no igual sem fim, igual, sem fim, minha terra, passava
dentro de mim! Passava como se o tempo nada pudesse mudar, passava como se o
rio não desaguasse no mar. O rio deságua no mar, já tanta coisa aprendi, mas o
que é mais meu cantar, é isso que eu canto aqui. Hoje eu sei que o mundo é
grande e o mar de ondas se faz, mas nasceu junto com o rio, o canto que eu
canto mais. O rio só chega no mar depois de andar pelo chão, o rio da minha
terra deságua em meu coração”
Todos os Santos, um rio de nome
poderoso, aquele que nos abraçou, nos acolheu e escolheu, queremos que o seu
futuro seja límpido como o seu passado.
Marlene Campos Vieira
Escritora e educadora. Membro titular da Academia de Letras de Teófilo
Otoni, cadeira 29