Todos nós escrevemos nossas histórias, que podem conter páginas parecidas, mas não iguais. Vejo hoje muitas páginas de histórias alheias; muito parecidas com a minha, principalmente nesses tempos chuvosos.
Morei na casa que eu gostava, ali vi meus filhos crescerem, escrevemos nossa história naquele dia a dia.
A casa era recuada para dar lugar a um extenso jardim, que caberia também outra casa em sua imensidão.
Nas férias, recebíamos parentes e amigos, lindas fotos eram registradas entre as flores dos canteiros.
Para todo mundo sempre existe uma primeira vez,eu também, como não poderia deixar de ser, vivenciei um acontecimento inédito que se repetiu outras vezes. Quando me lembro desse fato, sempre me vem o som de Tom Jobim nas Águas de Março: "É o mistério profundo, é o queira ou não queira. É o vento..." toda essa sintonia despertou-me para a minha realidade.
Foi assim, nesse mistério profundo que as águas chegaram e invadiram a casa e ainda tentaram o jardim. Muita trabalheira e perda de memórias, quantas lembranças se foram nas águas!...
Muitos anos se passaram e a história sempre se repetindo. No dia seguinte era a luta para realizar limpezas, e concertos. Algumas vezes tínhamos de abandonar a casa e esperar o tempo melhorar.
Jamais pensamos em mudar, ao contrário, queríamos mudar o destino do rio. Depois de muitos anos, os filhos crescidos, levantamos um alto muro, cercando todos os lados e fundos da casa. Ficamos na certeza que seria o fim das enchentes. Cessaram assim nossos temores. A alegria do sono tranquilo, a paz. Foi então que um estrondo se fez ouvir e as águas violentas invadiram novamente nossa casa. Elas haviam estourado o muro, e entraram pela janela.
Foi um episódio marcante, pois deixamos de nos resguardar e tivemos grandes perdas. Nem assim tivemos a maturidade de pensar com coerência e racionalizar nossa história. Lendo o Salmo 90, 12, encontro claramente as palavras que deveríamos praticar naqueles tempos: "Ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos um coração sábio."
Sabedoria é a chave. É nela que se encontra o raciocínio lógico, afinal quem veio primeiro: o rio ou nós? Podemos ouvir a pergunta do rio nas palavras do livro do Padre Fábio de Melo: "Quem me Roubou de Mim?". Nós roubamos o espaço dele.
Quando nossa casa está cheia de visitas, precisamos procurar novos lugares, os rios também. Quando as águas se avolumam elas procuram seus antigos lugares, não para nos prejudicar, mas por necessidade.
Se eu pudesse voltar no passado, não seria uma pedra no caminho do rio, mas procuraria buscar outras alternativas.
Quem sabe construir a nossa casa no lugar do jardim, assim ela ficaria nivelada às demais casa da rua.
Jair Rodrigues canta: "Abre o peito coragem irmão...Faz do amor sua imagem irmão..... Irmão é preciso Coragem".
Precisamos criar soluções para convivermos em paz com a natureza, afinal o mundo foi criado antes do homem e para o homem.
A natureza é nossa amiga, não viveríamos sem ela, precisamos da bandeira branca da paz.
Dias de chuva, céu escuro, fico imaginando: a lua está descansando, as estrelas tiraram férias e o sol está caindo de sono.
A beleza da chuva que cai deve prevalecer, sem ela não há vida. Cabe ao homem desenvolvido, buscar seu espaço e assim viver em harmonia
com a natureza.
Marlene Campos Vieira----Escritora e educadora. Membro titular da Academia de Letras de Teófilo Otoni.