No domingo eu aguardava o início das celebrações religiosas, enquanto isso um técnico testava o som. Ele repetia: som, a, a, a ....mexia dava uma volta e repetia o mesmo refrão. Isso aconteceu várias vezes até que sem programar, cutuquei uma pessoa sentada ao meu lado e disse baixinho: quando será que ele aprenderá o alfabeto? Ela olhou pra mim e sorriu.
Neste momento me vem à lembrança, minha mãe, uma pessoa criativa e bem humorada. Ela deixou uma herança genética inesgotável, filhos netos e bisnetos, todos receberam uma dosagem. Além disso, era um gênio, fabulosa, fazia pratos deliciosos, sem deixar rastros, tudo limpo em pouco tempo.
As suas visitas eram uma festa, pois ajudava cada filho na criação dos netos, eram tantas as brincadeiras, que todos viravam moleques. Festa mesmo, eram as viagens que ela fazia conosco, amante das flores, era preciso parar o carro para pegar mudas das flores que ela via ao lado das estradas, além disso via pássaros exóticos, que apontava com gritos. Sua planta favorita, na época era o Lampião, conhecidos hoje como hibiscos, os tinha de todas as cores e formatos. Muitas vezes era flagrada nos jardins pegando mudas e sempre dizia: "muda roubada é que pega".
Ela adorava uma pegadinha, às vezes chegava de viagem, rodeava a casa e ficava no quintal, era descoberta com uma festa total. Lembro-me de quando ela me acompanhava ao hospital para dar a luz a meus filhos. A cada contração eu gemia e ela ria , ria sem controle, eu ficava nervosa mas ela dizia que não aguentava segurar.
Ela teve seis filhos e inventou todos os nomes com a mesma letra, começando com "ma" de mar, que ela amava tanto. Um dia, ficou revoltada por chegar na escola e encontrar seu filho com o apelido de prateleira, logo ele, cujo nome fora inventado no capricho: Mardileno.
Ela era de fazer sorrir e amar, só sabíamos de suas dores pelos longos gemidos que soltava involuntariamente. Viveu , viajou e conheceu o mar que tanto amava, deixou lembranças por onde passou e como homenagem um bisneta com seu nome: "NAIR".
Com certeza ela foi mais que o "Descobridor dos sete mares" de Tim Maia.
Ela desbravou muitas milhas, ignorou as fraquezas humanas para manter a paz familiar, teve seus netos adolescentes como cuidadores nos momentos difíceis, e ainda assim, tudo era motivo de molecagem.
Sempre que encontro a sua planta favorita, passo as mãos dentro dela e envio um sorriso para ela, digo algo bem baixinho: Te Amo , Saudades.
São tantos casos, tantas emoções....
Ela está lá fazendo cosquinhas nos anjos, mamãe, mamãe......